Desafio aos professores: aliar tecnologia e educação
Nathalia Goulart
Guilherme Canela Godoi
(Arquivo Pessoal)
Seja por meio de celular, computador ou TV via satélite, as diferentes
tecnologias já fazem parte do dia a dia de alunos e professores de qualquer
escola. Contudo, fazer com que essas ferramentas de fato auxiliem o ensino e a
produção de conhecimento em sala de aula não é tarefa fácil: exige treinamento
dos mestres. A avaliação é de Guilherme Canela Godoi, coordenador de comunicação
e informação no Brasil da Unesco, braço da ONU dedicado à ciência e à educação.
"Ainda não conseguimos desenvolver de forma massiva metodologias para que os
professores possam fazer uso dessa ampla gama de tecnologias da informação e
comunicação, que poderiam ser úteis no ambiente educacional." O desafio é
mundial. Mas pode ser ainda mais severo no Brasil, devido a eventuais lacunas na
formação e atualização de professores e a limitações de acesso à internet -
problema que afeta docentes e estudantes. Na entrevista a seguir, Godoi comenta
os desafios que professores, pais e nações terão pela frente para tirar proveito
da combinação tecnologia e educação.
Qual a extensão do uso das novas tecnologias nas escolas
brasileiras?Infelizmente, não existem dados confiáveis que permitam
afirmar se as tecnologias são muito ou pouco utilizadas nas escolas
brasileiras. Censos educacionais realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep) mostram que a maioria das escolas públicas já tem
à sua disposição uma série de tecnologias. No entanto, a presença dessas
ferramentas não significa necessariamente uso adequado delas. O que de fato se
nota é que ainda não conseguimos desenvolver de forma massiva metodologias para
que os professores possam fazer uso dessa ampla gama de tecnologias da
informação e comunicação, que poderiam ser úteis no ambiente educacional.
Quais devem ser as políticas públicas para incentivar as tecnologias
em sala de aula?Elas precisam ter um componente fundamental de
formação e atualização de professores, de forma que a tecnologia seja de fato
incorporada no currículo escolar, e não vista apenas como um acessório ou
aparato marginal. É preciso pensar como incorporá-la no dia a dia da educação de
maneira definitiva. Depois, é preciso levar em conta a construção de conteúdos
inovadores, que usem todo o potencial dessas tecnologias. Não basta usar os
recursos tecnológicos para projetar em uma tela a equação "2 + 2 = 4". Você pode
escrever isso no quadro negro, com giz. A questão é como ensinar a matemática de
uma maneira que só é possível por meio das novas tecnologias, porque elas
fornecem possibilidades de construção do conhecimento que o quadro negro e o giz
não permitem. Por fim, é preciso preocupar-se com a avaliação dos resultados
para saber se essas políticas de fato fazem a diferença.
As novas tecnologias já fazem parte da formação dos
professores?Ainda é preciso avançar muito. Os dados disponíveis
mostram que, infelizmente, ainda é muito incipiente a formação de professores
com a perspectiva de criação de competências no uso das tecnologias na escola.
Com relação à formação continuada, ou seja, à atualização daqueles profissionais
que já estão em serviço, aparentemente nós temos avanços um pouco mais
concretos. Há uma série de programas disponíveis que oferecem recursos a
eles.
Para os alunos, qual o impacto de conviver com professores
ambientados com as novas tecnologias?As avaliações mais sólidas a
esse respeito estão acontecendo no âmbito da União Europeia. Elas mostram que a
introdução das tecnologias nas escolas aliada a professores capacitados têm
feito a diferença em alguma áreas, aumentando, por exemplo, o potencial
comunicativo dos alunos.
As relações dentro da sala de aula mudam com a chegada da
tecnologia?O que tem acontecido - e acho que isso é positivo, se
bem aproveitado - é que a relação de poder professor-aluno ganha uma nova
dinâmica com a incorporação das novas tecnologias. Isso acontece porque os
alunos têm uma familiaridade muito grande com essas novidades e podem se inserir
no ambiente da sala de aula de uma maneira muito diferente. Assim, a relação com
o professor fica menos autoritária e mais colaborativa na construção do
conhecimento.
É comum imaginar que em países com um alto nível educacional a
integração das novas tecnologias aconteça mais rapidamente. Já em países em
desenvolvimento, como o Brasil, onde muitas vezes o professor tem uma formação
deficitária, a incorporação seja mais lenta. Esse pensamento é
correto?Grandes questões sobre o assunto não se colocam apenas para
países em desenvolvimento. É o caso, por exemplo, de discussões sobre como
melhor usar a tecnologia e como treinar professores. O mundo todo discute esses
temas, porque essas novas ferramentas convergentes são um fenômeno recente.
Porém, também é correto pensar que nações onde as pessoas são mais conectadas e
têm mais acesso a dispositivos devem adotar a tecnologia em sala de aula de modo
mais amplo e produtivo. Outro fenômeno detectado no mundo todo é o chamado "gap
geracional", ou seja, os professores não nasceram digitalizados, enquanto seus
alunos, sim.
O senhor vê algum tipo de resistência nas escolas brasileiras à
incorporação da tecnologia?Não acredito que haja uma resistência no
sentido de o professor acreditar que a tecnologia é maléfica, mas, sim, no
sentido de que ele não sabe como utilizar as novidades. Não se trata de saber ou
não usar um computador. Isso é o menor dos problemas. A questão em jogo é como
usar equipamentos e recursos tecnológicos em benefício da educação, para fins
pedagógicos. Esse é o pulo do gato.
Quais os passos para superar a formação deficitária dos
professores?A Unesco sintetizou em livros seu material de apoio,
chamado
Padrões de Competências em Tecnologia da Informação e da Comunicação
para Professores. Ali, dividimos o aprendizado em três grandes pilares. O
primeiro é a alfabetização tecnológica, ou seja, ensinamos a usar as máquinas. O
segundo é o aprofundamento do conhecimento. O terceiro pilar é chamado de
criação do conhecimento. Ele se refere a uma situação em que as tecnologias
estão tão incorporadas por professores e alunos que eles passam a produzir
conhecimento a partir delas. É o caso das redes sociais. É importante lembrar
que esse processo não é trivial, ele precisa estar inserido na lógica da
formação do professor. Não se deve achar que a simples distribuição de
equipamentos resolve o problema.